14.11.13

Pleonasmos & personagens

Sempre discordei de minha professora de redação do colégio no que diz respeito a pleonasmos. Como o ser linguístico que sempre fui - muito antes de começar o curso de Letras - sempre achei absurdo que 'repetir de novo' fosse considerado pleonasmo.

Vejam bem o meu exemplo: o professor (de química ou matemática, pra deixar o exemplo bem verossímil) explica alguma coisa aos seus alunos. Como de praxe, aqueles candidatos ao curso de Letras-História-Comunicação-Música-Psicologia-Direito-Etc não entendem. O professor, então, repete a explicação - e os alunos continuam sem entender, porque, afinal, é uma aula de química. Então, o professor é obrigado a repetir de novo aquilo que ele falou, e assim o fará, até que todos os alunos entendam. Portanto, eu considero 'repetir de novo' um exemplo muito fraco de pleonasmo.

E, por falar em 'repetir de novo', nada melhor como contra-exemplo do que a novela Chocolate com Pimenta, que passou na Globo há uns 10 anos, repetiu há uns 6 e repetiu de novo ano passado. E, podem me chamar de obsessiva, mas estou louca para poder empregar o "pleonasmo" mais uma vez com essa novela. E olha que eu não sou nem um pouco noveleira-de-plantão (é, talvez o problema seja que eu sou obsessiva mesmo).

Me chamem de boba ou do que for (baranga, inclusive), mas os personagens de Chocolate com Pimenta são meus ~amigos~. Nada melhor e mais familiar do que ver o tio Margarido com aquele sotaque caipira fazendo mais um daqueles bolos deliciosos, ou a Márrrrcia, tão chique, bem, afirmando ser dona e proprietária de salão de beleza! A Dona Jezebel com seu bordão 'ah! Como sofro!', ou o soldado Peixoto dormindo na delegacia e sendo acordado por um grito do delegado Terêncio... Ou você não sabe o que é se afeiçoar a um personagem? Não sabe quando um personagem vira seu amigo?

Um personagem vira seu amigo quando você começa a se envolver com ele: sabe quando você e a Ana Francisca ficaram emocionados quando ela foi contar pro Danilo que o Tonico era filho dele? Sabe quando você ficou apreensivo quando o assassino começou a agredir L.B. Jeffries e você não podia fazer nada a respeito? Sabe quando você se apaixonou pelo capitão Rodrigo Cambará, que chegou montado num alazão, de bombachas e o busto musculoso apertado num dólmã militar azul, com gola vermelha e botões de metal? Sabe quando você chorou de agonia quando a jovem e linda Penélope Aldaya sofria ao dar à luz a David, filho de Julián Carax? Ou então quando abriu um buraco no seu coração quando o Dobby deu seu último suspiro num lindo lugar para se estar com amigos? Sabe? Se sabe, é porque você também se envolveu com esses personagens fantásticos.

Acho simplesmente incrível a habilidade que as pessoas têm de criar personagens que conseguem envolver tanto a gente... De criar esses entes tão queridos que criam um outro mundo, tão amplo e magnífico, tão feliz e triste, tão vasto, espetacular e onírico.

Como reflexão do dia, deixo essa foto:


Me pergunto todos os dias por que cargas d'água alguém colocaria o nome de 'Complemento Nominal' numa loja. Será que essa pessoa ao menos sabe o que é um Complemento Nominal? Sentir-me-ia muito lisonjeada se um dia algum aluno inaugurasse uma loja de roupas chamada, por exemplo, Oração Subordinada Substantiva Completiva Nominal Reduzida de Infinitivo em minha homenagem.

Ps.: pra não perder o costume, o blog mudou de nome mais uma vez. Ele mudou de nome porque eu quis. E porque tinha enjoado do outro. E também porque combina mais com o plano de fundo de estrelas.

24.3.13

Ida à China por R$2,80

O Ubirajara era um cara muito engraçado. Uma figura. Bira, era como todo mundo chamava ele. As histórias do Bira eram as melhores! Nada fazia sentido... Tudo mentira, lógico - mas valia a pena ouvir! A melhor delas foi tão absurda que eu vou até tentar contar aqui:

O Bira morria de medo de andar de ônibus. Não confiava nem em motorista, nem em trocador. Uma vez ele cismou que os trocadores de ônibus achavam ele com cara de riquinho, filhinho de papai, e que roubavam dinheiro dele na hora de cobrar a passagem. Vai entender. Enfim, o negócio é que o Bira nunca andava de ônibus: ele sempre andava a pé ou pedia carona pros amigos.

E assim o Bira ia levando a sua vida, até que um dia ele arranjou uma namorada que morava lá pros lados do Taquaril. Ele queria porque queria sair com a mulher, levar ela no cinema, num restaurante e, enfim, né, conhecê-la no sentido bíblico da coisa. Mas a dita cuja, que era muito religiosa e não era boba, quis que o Bira fosse, antes, conhecer seus pais, na casa lá perto do Taquaril. E, como Maomé não vai até a montanha, a montanha resolveu ir até Maomé.

Bira, decidido a atingir os seus objetivos, resolveu baixar lá no Taquaril. Era longe demais pra ir a pé, e é claro que ninguém topou dar carona pra ele até lá. Quando viu que seria obrigado a pegar ônibus, até pensou em tirar carteira! Tudo isso pra não andar de ônibus! No fim das contas, a carteira ia demorar demais e custar muito mais que os R$2,80 da passagem, então ele resolveu encarar a vida e ir de busão mesmo.

Com medo do trocador ficar enchendo o saco, o Bira teve a brilhante ideia de deixar a barba crescer, vestir uma roupa esfarrapada e se vestir de mendigo pra pegar o ônibus. O trocador não ia chamar um mendigo de filhinho de papai e roubar o dinheiro dele, né?

E assim foi: depois de uma festa de arromba no dia anterior, o Bira nem se aguentava em pé, mas foi lá ver a amada. Totalmente virado e com uma ressaca desgraçada, ele se vestiu de mendigo e foi pro ponto de ônibus, pra esperar o TAQUARIL passar.

Chegou o ônibus, ele entrou, desembolsou seus R$2,80 da passagem, e foi rapidinho sentar lá no fundo, antes que o trocador aprontasse alguma. Mas o trocador nem olhou pra ele. E o Bira lá do fundão, e o ônibus vira pra cá, e vira pra lá, e sobe aqui, e desce ali... E foi embalando o Bira num sono de bálsamo. Ele tava com tanto sono que dormiu no ônibus pro Taquaril. E o ônibus foi indo, foi indo, foi indo...

Bira acordou depois de muito tempo, assustado e sem saber o que estava acontecendo. Ele ainda tava no ônibus, mas a paisagem era bem diferente... Todos os passageiros do ônibus eram iguais, e todos falavam chinês... O Taquaril era estranho, hein?

Ele saiu do ônibus, e viu que todas as placas, em vez de letras normais, tinham uns desenhozinhos esquisitíssimos. Eram ideogramas? Uma das pessoas iguais que andavam na rua deu uns trocados pra ele, numa moeda bizarra... Aí que o Bira lembrou que ele tava vestido de mendigo. E aí que ele entendeu que ele dormiu no ônibus pro Taquaril e acordou na China.

O Bira virou pedinte lá na China. Ele me manda cartas de vez em quando contando da vida por lá. E ele tá lá até hoje, esperando passar o ônibus pro Taquaril, pra poder voltar pra casa.

19.1.13

Quando tudo era infinito

Recebi um e-mail que eu mesma escrevi no ano passado, no FutureMe. Nesse site, a gente pode escrever mensagens para nós mesmos, que serão entregues em uma data do futuro à nossa escolha. 

Foi muito legal, e tal, tirando o fato que eu fiquei o ano inteiro lembrando desse e-mail (de modo que, quando o e-mail chegou, tava mais pra alguma coisa "esperada" do que pra uma grande surpresa), e tirando o fato que eu lembrava de tudo que tava escrito.

Quando eu estava na 9ª série (ou 9º ano, como insistem em chamar), eu estudava em uma escola pequena que só ia até o Ensino Fundamental II. Em uma aula de redação, todos da minha turma escreveram cartas para si mesmos; não eram cartas mesmo - era mais um trabalhinho de redação que ia ser avaliado e, depois, descartado. A professora recolheu as cartas, deu as notas pra todo mundo, e sei lá onde elas foram parar depois disso. A professora devia ter esquecido em casa, deixado em algum canto obscuro da escola, jogado fora, sei lá. Ninguém ligou pra isso, e eu e todos os meus colegas esquecemos das tais cartas. Quando foi um ano depois, quando todos nós estávamos no 1º ano do Ensino Médio, estudando em colégios grandes, diferentes, com amigos novos, professores novos e vida nova, a escola em que eu estudava antes enviou as cartas para mim e todos os meus ex-colegas. Recebemos a carta em casa, exatamente um ano depois de tê-la escrito. Ninguém lembrava mais da carta, e todo mundo ficou meio surpreso, ou até emocionado, quando chegou a dita cuja. Nossa vida tinha mudado muito em um ano. Eu tinha 15 anos. Aos 15 anos, tudo é infinito.

Eu achei que esse e-mail que eu me mandei pelo FutureMe ia causar o mesmo efeito da carta da escola, mas nem de longe causou. Hoje, 5 anos mais tarde, algumas coisas parecem ter perdido a graça de ser, parecem não ser mais tão infinitas como um dia foram. Os anos vão passando por nós sem nós nem nos darmos conta; 1 ano não significa mais tanta coisa: todos os anos são meio iguais, alguns recheados de conquistas, mudanças, doenças e mortes, mas a vida continua a mesma. Lá se foi um janeiro em que eu já estava na faculdade, tinha algumas expectativas, gostava de algumas músicas. Um ano se passou, mais um janeiro veio, e eu continuo na faculdade, algumas expectativas já se cumpriram e outras não, ainda gosto das mesmas músicas.

Não estou dizendo que as coisas não mudam; elas mudam sim. Mas a gente vai ficando mais velho e as coisas vão ficando tão recentes! Quando tudo era infinito, um ano atrás era quase uma eternidade atrás, era quase uma era passada. Hoje, um ano atrás é outro dia. E por aí vai.