24.3.13

Ida à China por R$2,80

O Ubirajara era um cara muito engraçado. Uma figura. Bira, era como todo mundo chamava ele. As histórias do Bira eram as melhores! Nada fazia sentido... Tudo mentira, lógico - mas valia a pena ouvir! A melhor delas foi tão absurda que eu vou até tentar contar aqui:

O Bira morria de medo de andar de ônibus. Não confiava nem em motorista, nem em trocador. Uma vez ele cismou que os trocadores de ônibus achavam ele com cara de riquinho, filhinho de papai, e que roubavam dinheiro dele na hora de cobrar a passagem. Vai entender. Enfim, o negócio é que o Bira nunca andava de ônibus: ele sempre andava a pé ou pedia carona pros amigos.

E assim o Bira ia levando a sua vida, até que um dia ele arranjou uma namorada que morava lá pros lados do Taquaril. Ele queria porque queria sair com a mulher, levar ela no cinema, num restaurante e, enfim, né, conhecê-la no sentido bíblico da coisa. Mas a dita cuja, que era muito religiosa e não era boba, quis que o Bira fosse, antes, conhecer seus pais, na casa lá perto do Taquaril. E, como Maomé não vai até a montanha, a montanha resolveu ir até Maomé.

Bira, decidido a atingir os seus objetivos, resolveu baixar lá no Taquaril. Era longe demais pra ir a pé, e é claro que ninguém topou dar carona pra ele até lá. Quando viu que seria obrigado a pegar ônibus, até pensou em tirar carteira! Tudo isso pra não andar de ônibus! No fim das contas, a carteira ia demorar demais e custar muito mais que os R$2,80 da passagem, então ele resolveu encarar a vida e ir de busão mesmo.

Com medo do trocador ficar enchendo o saco, o Bira teve a brilhante ideia de deixar a barba crescer, vestir uma roupa esfarrapada e se vestir de mendigo pra pegar o ônibus. O trocador não ia chamar um mendigo de filhinho de papai e roubar o dinheiro dele, né?

E assim foi: depois de uma festa de arromba no dia anterior, o Bira nem se aguentava em pé, mas foi lá ver a amada. Totalmente virado e com uma ressaca desgraçada, ele se vestiu de mendigo e foi pro ponto de ônibus, pra esperar o TAQUARIL passar.

Chegou o ônibus, ele entrou, desembolsou seus R$2,80 da passagem, e foi rapidinho sentar lá no fundo, antes que o trocador aprontasse alguma. Mas o trocador nem olhou pra ele. E o Bira lá do fundão, e o ônibus vira pra cá, e vira pra lá, e sobe aqui, e desce ali... E foi embalando o Bira num sono de bálsamo. Ele tava com tanto sono que dormiu no ônibus pro Taquaril. E o ônibus foi indo, foi indo, foi indo...

Bira acordou depois de muito tempo, assustado e sem saber o que estava acontecendo. Ele ainda tava no ônibus, mas a paisagem era bem diferente... Todos os passageiros do ônibus eram iguais, e todos falavam chinês... O Taquaril era estranho, hein?

Ele saiu do ônibus, e viu que todas as placas, em vez de letras normais, tinham uns desenhozinhos esquisitíssimos. Eram ideogramas? Uma das pessoas iguais que andavam na rua deu uns trocados pra ele, numa moeda bizarra... Aí que o Bira lembrou que ele tava vestido de mendigo. E aí que ele entendeu que ele dormiu no ônibus pro Taquaril e acordou na China.

O Bira virou pedinte lá na China. Ele me manda cartas de vez em quando contando da vida por lá. E ele tá lá até hoje, esperando passar o ônibus pro Taquaril, pra poder voltar pra casa.

19.1.13

Quando tudo era infinito

Recebi um e-mail que eu mesma escrevi no ano passado, no FutureMe. Nesse site, a gente pode escrever mensagens para nós mesmos, que serão entregues em uma data do futuro à nossa escolha. 

Foi muito legal, e tal, tirando o fato que eu fiquei o ano inteiro lembrando desse e-mail (de modo que, quando o e-mail chegou, tava mais pra alguma coisa "esperada" do que pra uma grande surpresa), e tirando o fato que eu lembrava de tudo que tava escrito.

Quando eu estava na 9ª série (ou 9º ano, como insistem em chamar), eu estudava em uma escola pequena que só ia até o Ensino Fundamental II. Em uma aula de redação, todos da minha turma escreveram cartas para si mesmos; não eram cartas mesmo - era mais um trabalhinho de redação que ia ser avaliado e, depois, descartado. A professora recolheu as cartas, deu as notas pra todo mundo, e sei lá onde elas foram parar depois disso. A professora devia ter esquecido em casa, deixado em algum canto obscuro da escola, jogado fora, sei lá. Ninguém ligou pra isso, e eu e todos os meus colegas esquecemos das tais cartas. Quando foi um ano depois, quando todos nós estávamos no 1º ano do Ensino Médio, estudando em colégios grandes, diferentes, com amigos novos, professores novos e vida nova, a escola em que eu estudava antes enviou as cartas para mim e todos os meus ex-colegas. Recebemos a carta em casa, exatamente um ano depois de tê-la escrito. Ninguém lembrava mais da carta, e todo mundo ficou meio surpreso, ou até emocionado, quando chegou a dita cuja. Nossa vida tinha mudado muito em um ano. Eu tinha 15 anos. Aos 15 anos, tudo é infinito.

Eu achei que esse e-mail que eu me mandei pelo FutureMe ia causar o mesmo efeito da carta da escola, mas nem de longe causou. Hoje, 5 anos mais tarde, algumas coisas parecem ter perdido a graça de ser, parecem não ser mais tão infinitas como um dia foram. Os anos vão passando por nós sem nós nem nos darmos conta; 1 ano não significa mais tanta coisa: todos os anos são meio iguais, alguns recheados de conquistas, mudanças, doenças e mortes, mas a vida continua a mesma. Lá se foi um janeiro em que eu já estava na faculdade, tinha algumas expectativas, gostava de algumas músicas. Um ano se passou, mais um janeiro veio, e eu continuo na faculdade, algumas expectativas já se cumpriram e outras não, ainda gosto das mesmas músicas.

Não estou dizendo que as coisas não mudam; elas mudam sim. Mas a gente vai ficando mais velho e as coisas vão ficando tão recentes! Quando tudo era infinito, um ano atrás era quase uma eternidade atrás, era quase uma era passada. Hoje, um ano atrás é outro dia. E por aí vai.

12.4.12

35 lições de vida

1. Nunca tome picolé de uva se você estiver usando roupas brancas;
2. Nunca se acidente com café caso você vá dar aula usando roupas brancas;
3. Nunca use roupas brancas para uma entrevista de emprego (caso você pretenda, antes da entrevista, comer Subway/falafel/feijão/cachorro-quente/picolé de uva/qualquer coisa que envolva molhos/tomar café);
4. Mancha de café não sai;
5. Ouça música;
6. Moby é bom;
7. Eu não sei se mancha de picolé de uva sai, mas eu espero que sim;
8. Aquelas balas de caramelo toffee que a TAM serve no voo grudam no dente e nunca mais saem;
9. Não tente comer falafel sem fazer bagunça - é impossível;
10. Nunca pegue um táxi com o pneu furado no aeroporto do Galeão se pretende pegar a Linha Vermelha;
11. Manteiga da amendoim é bom;
12. Nunca - repetindo, NUNCA - deixe suas três filhas pequenas (menores de seis anos) viajarem de avião sentadas lado a lado sem a sua supervisão;
13. Elas gritam e chutam a cadeira da frente;
14. Pior do que as meninas é só a velha chata do seu lado que te dá lição de moral porque já pediram pra desligar o iPod e você ainda não desligou;
15. Mas você já ia desligar;
16. A velha chata odeia crianças;
17. Pink Floyd é bom;
18. A GOL é super moderna e disponibiliza internet durante o voo;
19. Mas só que a internet não funciona;
20.  Desista, a menina sub 6 no assento atrás do seu não vai parar de chutar sua cadeira nunca mais;
21. Hotéis, restaurantes e, enfim, qualquer lugar fechado nos Estados Unidos tem cheiro de queimado;
22. Nunca mude uma coisa de lugar com o intuito de facilitar seu acesso: você vai esquecer onde guardou essa coisa, vai achar que perdeu e vai entrar em pânico;
23.  Continuo sem saber se mancha de picolé de uva sai ou não;
24. Nunca use seu celular touch ou iPod no meio da aula se não estiver no silencioso; você pode esbarrar acidentalmente no ícone do Angry Birds, e a música vai tocar;
25. Nunca use um apagador duvidoso largado pela sala para apagar um quadro branco - você pode manchar o quadro;
26. Nunca conte com aquele vale-refeição que você guarda há anos na carteira: ele tem validade, que provavelmente vai estar vencida quando você mais precisar de usá-lo;
27. Eu não sei se mancha de cola de apagador misturada com tinta de pilot sai;
28. Mas eu espero que saia;
29. Feijõezinhos de todos os sabores são de TODOS os sabores MESMO.
30. Em um concerto, tenha certeza de que a peça acabou antes de gritar "bravo!";
31. Principalmente se o concerto estiver sendo filmado;
32. Sempre preste atenção no fuso horário quando for ligar ou mandar uma mensagem para alguém que está em outro país; seu interlocutor não vai gostar de acordar no meio da noite só para descobrir que, por exemplo, você comprou um arco dourado para o seu violino;
33. O Ron sempre teve razão: todo mundo sempre tira o Dumbledore nas cartas colecionáveis dos sapos de chocolate;
34. Isso é porque só existem cartas do Dumbledore;
35. Finalmente, como última lição de vida... Ah, finalmente nada! Eu vou é dormir!

Boa noite!

17.3.12

Anjo da Guarda

Anjo da Sombra
Companheiro
De um homem triste -
Coragem.

Mulher amada
Devaneio
De um homem sério -
Miragem.

Anjo Esbelto
Brio
Do rapaz que ama -
Paixão.

Anjo da Guarda
Sombrio
Não deixa a Morte
Em vão.

5.2.12

Encantamento

Bolas, bolhas prateadas
Vidro mole
Espelho d'água

Bolas, bolhas refletidas
Espelhadas,
Coloridas

Bolas, bolhas transparentes
Flutuantes,
Negligentes

Bolhas, bolhas coloridas
Tão felizes,
Tão sofridas

Bolhas, bolhas encharcadas
Tristes, frias
Tão geladas...

12.9.11

White

You bring me great joy;
You bring me reverie,
Feed my dream world.
And you are able to suck
All of this from me,
You are able to, gradually,
Deteriorate myself
Inside.

Suddenly,
My world is going down:
All of the imagery you
Feed
- what keeps me alive -
Collapses.

I have no more ground to stand - and I can't stand it anymore.

1.9.11

Diálogo antigo

Ah! Octavius - imperador romano!
Como queria ter-te conhecido
Melhor, fora da mente,
Fora do sono...

Octavius, Caesar Augustus,
Conversa, favor, mais uma vez comigo,
Sobre música, língua,
Sobre teus feitos...

Sobre teus mares, sobre teus ares,
Quiçá tais edifícios construídos
Estradas sobre império...
Paz foi instaurada...

Pax Augusta.

Bruna Amarante Cohen

24.8.11

América

Se vida toda linguagem,
Que vida quando linguagem
Exaure tua cultura,
Finda tal tradição?

Se vida toda linguagem,
Que vida um assassino
Dilacera, mata, mutila,
Aculturando uma nação?

Sim, vida toda linguagem;
Língua toda cultura;
Inculto és tu, caro homem,
Quem quer sua destruição.

Bruna Amarante Cohen

19.8.11

Artista do mundo

Toca minha alma com teu toque
Suave, sensível, menor,
Na tecla de um teclado;

Enche os meus olhos com teu choque,
Voraz, certeiro, capaz,
Dum Bartók bem tocado;

E seja só, só minha até a morte
Tal falta de palavras
Dum Mendelssohn olvidado.

Bruna Amarante Cohen

O blog mudou de título novamente; esse é o poema, de minha autoria, que dá seu novo nome: "toca minha alma com teu toque".

5.1.11

Decolando

É interessante observar as pessoas quando o avião está decolando. É como se sua personalidade, cultura, traumas, religião, etc, viessem à tona por um instante.

Por um erro na compra da passagem, acabei ficando no assento 10D, enquanto meus pais ficaram na fileira 29; por isso, fiquei olhando - e observando - todos à minha volta enquanto o avião acelerava para alçar voo.

A moça simpática e falante, logo ao meu lado, de repente fechou os olhos e fez o sinal da cruz; um homem de pé enfaixado, do outro lado do corredor, que antes lia alguma coisa e fazia suas anotações, fechou os olhos com força, como se a decolagem fosse doer muito; um garoto agarrou com força os braços da cadeira; um casal deu as mãos; admito que até eu, rapidamente, fechei os olhos e rezei meu shemá. Como no momento decisivo da final da Copa do Mundo, o voo inteiro prendeu a respiração.

E, com a mesma velocidade que a tensão veio, ela se foi. A partir do momento em que as rodas do avião deixaram o solo, houve uma mudança na atmosfera: a moça simpática e falante voltou a conversar com a senhora ao seu lado; o homem com o pé enfaixado abriu os olhos e voltou a ler o que estava lendo, fazendo suas anotações; o garoto soltou os braços da cadeira; o casal soltou as mãos e deu um beijo. O voo inteiro soltou o ar de seus pulmões. E, enquanto todos voltavam às suas atividades, eu, observadora como sempre, me pus a escrever - na agenda mesmo - os meus pensamentos.

7.4.10

Crônica na biblioteca do Colégio

É uma tarefa meio árdua estudar na biblioteca do Colégio quando a gente, de fato, não tá nem um pouco a fim. Principalmente quando a matéria é algo como História da Física, que cotribui para confundir conceitos que foram dificilmente - na maioria dos casos - consolidados na nossa cabeça; adoro História, e até gosto de Física, mas História da Física consegue ser bastante confuso.

Na biblioteca acontecem muitas coisas ao mesmo tempo, que acabam confundindo a gente: uns até conseguem se concentrar, mas a grande maioria fala, seja para jogar conversa fora, para tirar dúvidas, ou o que for. Pessoas chegam, pessoas vão embora, amigos passam para dizer "oi", grupos de pessoas riem descontroladamente, namorados se beijam... E eu tento ler mais uma linha do meu texto sobre História da Física.

A garota ao lado comenta com sua vizinha:

- Nossa, mas você viu ontem a chuva no Rio?

Mais uma vez - e em vão -, dirijo a atenção para a leitura, mas o garoto do outro lado fala com seu amigo:

- Não, olha... Força é igual à massa vezes a aceleração, então...

Fazendo certo esforço para me concentrar, eu consigo, finalmente, me desligar do mundo externo e ler um parágrafo inteiro do texto. Por fim, olho para a minha frente... Pra quê? Só por isso, chegam várias pessoas, cada uma carregando um livro diferente: uma garota com um Biologia 2, do Armênio e Ernesto, outro com o Física 3 novo da Moderna - parte I, claro -, um pseudo-conhecido com uma Folha de São Paulo... Um menino com um livro de Sociologia? Esse aí não deve ser do terceiro ano, mas do segundo ou até do primeiro...

Volto, enfim, ao texto: "Aristóteles distingue quatro tipos de movimento:(...)"...

"-... A artéria transporta tanto sangue venoso quanto arterial..."
"- Você tem o caderno do Jorge aí?"
"- Você não sabe o que me aconteceu hoje!"
"- Mas a Tuca disse que..."

"(...) o substancial, que corresponde à(...)"

"- Isso tudo cai na prova?"
"- Mas a fórmula de Coulumb..."
"- Antes de estudar aqui, eu..."

"..."

Felizardos são os que conseguem se concentrar nestas condições! Francamente, isso é digno de uma crônica; quem dera se Luis Fernando Verissimo estivesse aqui comigo.

Mas agora, se me dão licença, preciso voltar - tentar voltar - aos meus estudos sobre História da Física. De novo.

Quem sabe por algum milagre eu não consigo me concentrar melhor?